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Quando o Jornalismo vira arte

“Mas a gota d’água foi aquele terrível incêndio de 14 de abril de 2003, que destruiu um casarão antigo na Praça Tiradentes, sala de estar da cidade. Assistido ao vivo em todo o país, o incêndio ocorreu no dia seguinte ao fim da visita de uma missão da UNESCO que deixou às autoridades daqui um ultimato: conspirem a favor deste patrimônio inestimável ou ele passará das mãos da humanidade para as mãos dos predadores”.

O trecho acima caberia em um romance de ficção escrito durante a década passada ou poderia ser a descrição de um episódio fantasioso ocorrido na história da cidade de Ouro Preto. Tais linhas, contudo, fazem parte da reportagem “Ouro Preto: a cidade em seu renascimento”, de Sergio Vilas Boas, publicada na revista Horizonte Geográfico, em abril de 2005. Percebe-se, no parágrafo, a forma como o repórter relata fatos e acontecimentos reais com o uso da estética narrativa elaborada característica da literatura, distanciando-se, assim, da linguagem puramente objetiva do jornalismo tradicional. É a isso que se dá o nome de Jornalismo Literário, também conhecido como Novo Jornalismo.

Costuma-se dizer que tal estilo nasceu nos Estados Unidos, na década de 1960, com textos de escritores talentosos, como Tom Wolfe e Gay Talese, e com publicações inovadoras, especialmente a The New Yorker. Entretanto, um brasileiro já escrevia, nos anos 1940, grandes reportagens consideradas, hoje, precursoras do que viria a se tornar o Jornalismo Literário brasileiro. Joel Silveira produziu desde matérias sobre grandes políticos, entre eles Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek, a textos que retratavam a sociedade paulistana de sua época, sempre com mordacidade.

Contudo, o Jornalismo Literário feito nos moldes dos escritores estadunidenses chegou definitivamente à mídia brasileira com o surgimento, em 1966, da revista Realidade, a qual teve seu fim em 1976. Considerada, até hoje, uma das publicações de maior qualidade jornalística da história do país, a Realidade continha extensas e cuidadosamente apuradas reportagens, as quais podiam levar até três meses para ficarem prontas. Nelas, buscava-se retratar com clareza os fatos, sem, contudo, deixar de lado a forma diferenciada de narrá-los. Após o fim da publicação, o Jornalismo Literário no Brasil declinou, com cada vez menos veículos optando por tal método de trabalho, devido, principalmente, ao processo de produção caro e demorado.

O estilo, porém, ainda mantém-se vivo no Brasil. Ao longo das últimas décadas, houve uma forte produção nacional de perfis, uma das principais modalidades do Jornalismo Literário. Um bom exemplo disso são os textos escritos na revista Piauí sobre políticos como Dilma Roussef, Marina Silva ou José Dirceu, de autoria de jornalistas como Consuelo Dieguez, João Moreira Salles e Daniela Pinheiro. Outra escritora que também tem se destacado no estilo é Eliane Brum, repórter especial da revista Época.

Entretanto, é provável que o principal nome do Jornalismo Literário brasileiro, atualmente, seja o do próprio Sérgio Vilas Boas, autor da reportagem que abre esse texto. O jornalista é um dos fundadores da Associação Brasileira de Educação e Jornalismo Literário (ABJL), além de editor da revista eletrônica Texto Vivo (www.textovivo.com.br), responsável por publicar diversas matérias de repórteres entusiastas do estilo. Vale à pena conferir o site para conhecer melhor como se faz, hoje, no Brasil, esse jornalismo mais envolvente e humano, que, mesmo passado seu auge, consegue manter-se vivo, seja em veículos de grande circulação ou independentes.

Por Max Valarezo

Redator

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