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Qual o problema com a nossa política?

Na teoria, uma nação exemplar no quesito política. Com uma constituição jovem, completa e que engloba os direitos humanos de forma ampla, o Brasil tinha tudo para ter a legislação perfeita. Porém, na prática, as coisas não são tão perfeitas assim. Nada deixa essa situação mais clara do que o atual momento político brasileiro. Em meio a um processo de impedimento presidencial, o país assiste ao caos democrático com uma indigesta sensação de “o que há de errado com a nossa política?”.

Repetitivos escândalos de corrupção, políticos com ideologias arcaicas e uma explícita falta de ética corrompem nossa democracia de forma praticamente irreversível. O pior de tudo não é a situação complexa e degradante que se instalou, mas principalmente a forma como as pessoas reagem à situação. Parece que não concordar com um ponto de vista é a receita para ser humilhado publicamente – poucos conseguem entrar no Facebook sem se sentirem coxinhas malcriados ou comunistas irracionais. Nesse ritmo, cresce o problema, prospera o caos e as pessoas tendem a se afastar cada vez mais da política em si.

Houston, we have a problem…

Uma adversidade assim não chegou de uma hora para outra. Pelo contrário, começou há muito tempo, vem sendo cultivada até hoje e a solução só se aproxima depois de uma verdadeira corrida de obstáculos:

Obstáculo 1:

Como notou a Revista Superinteressante na sua 320° edição, a política brasileira está essencialmente dividida em quatro categorias no Congresso e nas câmaras municipais. O primeiro tipo são aqueles ligados a entidades trabalhistas – muito conhecidos no meio em que trabalham, eles se destacam pelo protagonismo sindical. Já os Caciques são famosos – e quase onipresentes – no Brasil. Eles vêm de famílias tradicionais de cidades pequenas e se perpetuam no Congresso por meio de uma herança hereditária praticamente eterna.

Posteriormente encontram-se os burocratas: fizeram carreiras dentro de cargos públicos (geralmente são ex-secretários ou ex-diretores), ganharam fama e consequentemente uma base eleitoral grande o suficiente para mantê-los na Casa do Povo. Por último, mas não menos importantes, estão os líderes de “eleitorados distintos”, geralmente presentes em centros urbanos e em maioria traduzidos por líderes religiosos.

O grande problema dessa divisão não é o status de quebra na política, mas principalmente o fato de que também separa povo. Cada vez que um indivíduo não se sente representado por um dos quatro tipos, ele se afasta mais de atuações políticas, assim como os que discordam. A partir desse momento estão abertas maiores liberdades para políticos fazerem o que bem entendem sem “ninguém” para se importar. É como se a corrupção política se autoalimentasse no poder.

Obstáculo 2:

Esse distanciamento das pessoas com o aspecto geral da política permite que os políticos sigam uma carreira perfeita de forma quase imperceptível. O objetivo se torna essencialmente ficar no poder pelo maior tempo possível e, como grande parte do eleitorado se preocupa mais em discutir com os “oponentes” nas redes sociais, eles fazem isso sem grande esforço.

Ainda fortemente influenciado por uma política patriarcal, o Brasil está parado no tempo com uma verdadeira massa de políticos que tratam o Plenário como uma reunião em família. Muitos estão em cargos legislativos praticamente como em uma linhagem hereditária. A lógica é simples: quanto mais tempo, mais poder e, em consequência, mais difícil fica para sair.

Obstáculo 3:

Uma eleição é absurdamente cara. Em 2010, a média de gasto de cada candidato chegou a R$ 1,1 milhão. Como a quantidade de dinheiro gasto é extremamente alta, os políticos buscam financiamento em meios privados. Contudo, dinheiro não é algo simplesmente dado. Quando empresas pagam para determinado candidato, elas esperam algo em troca, geralmente uma legislação a seu favor. Além disso, o pior de tudo é que os políticos perdem em credibilidade. As pessoas param de confiar nos governantes, aumentando a distância entre os eleitores e eles.

O resultado dos obstáculos: afastamento

Todos os despropósitos que os políticos fazem tem uma consequência brutal: elas tiram da população a vontade de participar dos processos democráticos. E essa consequência já é visível. O Tribunal Superior Eleitoral divulgou informações alarmantes: após uma eleição, um em cada cinco eleitores já esqueceu o último parlamentar votado. Segundo uma pesquisa da Universidade de Campinas (UNICAMP), 70% dos eleitores que votaram em 2010 já esqueceram em quem votaram em menos de quatro anos. Mais do que desinteresse da população, todo o lado desonesto da política repele as pessoas.

Houston, we may have a solution…

Por mais que a situação esteja bem ruim, não podemos desistir em tentar achar uma solução. É arregaçar as mangas e ir ao trabalho.

Um dos principais problemas da política tem nome: dinheiro. As arrecadações das campanhas precisam, no mínimo, de uma reforma. Parar de aceitar dinheiro privado parece ser o primeiro passo para isso. “Mas de onde o dinheiro para as campanhas vai sair?”. Bem, o financiamento público já está começando a ser exercitado no Brasil – desde o fim de 2015 existe uma lei aborda o tema, e mesmo com algumas alterações no texto original, poderá trazer mais foco para onde importa: o povo. “Então teoricamente vou pagar para um candidato ao qual não concordo com as ideias?”. É importante lembrar que as doações de pessoas físicas não estão proibidas. Você pode contribuir com os candidatos que melhor lhe representem, apenas não poderá financiar suas eleições com valores muito altos. “Mas eles não podem fazer o velho caixa dois? Essa prática não seria potencializada?” Não se houvesse a boa e velha punição. É importante lembrar que muitas das práticas corruptas somente acontecessem pela fé que muitos políticos têm na impunidade. A partir do momento em que passarem sofrer as consequências, muita coisa começa a mudar.

É certo que muitas incertezas cercam as soluções para política brasileira – principalmente porque essas mudanças dependem em maioria dos próprios políticos –, mas nem todas precisam necessariamente estar certas. O importante é que temos de começar.

Várias nações do mundo já praticam uma forma diferente de política, e parece estar dando certo. O professor norte-americano Lawrence Lessig, da Universidade de Harvard, propôs o “vale-democracia”, uma doação à determinada campanha que é deduzida do imposto de renda.

Na Finlândia, o parlamento é obrigado a discutir toda petição que reúne ao menos 50 mil assinaturas. Na Inglaterra, existem as plataformas FixMyStreet e o SeeClickFix em que as pessoas indicam problemas da cidade e do seu cotidiano e o governo organiza – junto a outras entidades – as soluções. Na Alemanha, o partido Piratempartei Deutschland (partido pirata) tem mais de 40 assentos em assembleias estaduais. O grande diferencial é ser essencialmente bancado por Crowdfunding – serviço de financiamento online.

Está claro que a aproximação da sociedade junto à política é a chave para mudanças positivas. Por muito tempo virou senso comum que a política tinha de ser feitas por outros, essencialmente representativa. As pessoas não tinham os meios de interferir constantemente nas decisões políticas diárias.

Porém, os avanços da tecnologia e a ascensão da internet permitem à sociedade uma maior integração e voz na busca por direitos. Auditoria e definições de orçamento agora podem ser decididas com mais pessoas via internet. É uma forma de os cidadãos poderem controlar de forma mais eficaz o uso do dinheiro público. Mesmo que muitos ainda não tenham acesso aos meios virtuais é uma maneira de pelo menos começar a pensar em um jeito diferente de fazer política.

As ações políticas por meios digitais vão além da leviana “democracia de sofá”. Os problemas da política direta são solucionados a partir do momento em que essas passam a ser organizadas, podendo até mesmo sair do contexto virtual – vide o último junho de 2013.

Arte por Letícia Carvalho

Texto por Ronayre Nunes

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