Por Amanda Venicio
Curto. Claro. Conciso. O estilo do escritor Ernest Hemingway se confunde com os princípios do jornalismo tradicional. Não é coincidência: o autor trabalhou como jornalista antes de se dedicar completamente à ficção.
Foi no ensino médio que Hemingway entrou em contato com o universo das redações. Em 1916, o estudante começou escrever para a publicação da escola, Trapeze. No ano seguinte, matriculou-se em aulas extracurriculares de jornalismo.
No Trapeze, Hemingway publicava artigos sobre eventos locais e fazia experimentos. O estilo casual e cômico do jornalista esportivo e escritor Ring Lardner era referência para o estudante. Hemingway buscou emulá-lo numa série de artigos que estava longe de ser unânime entre os alunos. Assim como o do seu ídolo Lardner, o estilo do Hemingway adolescente era anárquico, sarcástico e cru.
Concluído o ensino médio, Hemingway contrariou os desejos do pai e trocou a faculdade pelo emprego de jornalista em Kansas. O jornalismo moderno estava começando a ganhar corpo. O uso da “pirâmide invertida” e os príncipios de clareza e precisão eram novidades da época.
O fundador e editor do Kansas City Star, William Rockhill Nelson, compilou uma coleção de regras que serviam de base para a redação do jornal: “Use frases curtas. Use primeiros parágrafos curtos. Use inglês vigoroso. Seja positivo, não negativo”. Hemingway reconheceu posteriormente a influência de Rockhill Nelson, numa entrevista em 1940: “Aquelas foram as melhores regras que já aprendi sobre o negócio de escrever.”
A rotina de jornalista, porém, era cansativa para o autor. Em carta ao pai, Hemingway reclamava da pressão de entregar histórias informativas “em perfeito estilo” num intervalo de tempo limitado. O escritor resolve se alistar no exército e viaja para a Itália, onde vive por um ano.
Ao retornar para a América do Norte, Hemingway consegue emprego na edição especial de Sábado do Toronto Star. A atmosfera era bem diferente da do jornal anterior. Hemingway passou a ter liberdade temática e formal, uma vez que se tratava de um semanário e não de notíciais diárias.
Sob o editor do Toronto Star, Hemingway pôde explorar sua habilidade narrativa e gosto pela ironia. Os temas tratados por Hemingway em seus textos jornalísticos são os mesmos da ficção: vida ao ar livre, pesca, acampamento, crimes.
Em 1921, Hemingway convenceu seu editor a torná-lo o primeiro correspondente internacional do Toronto Star. Recém-casado com Hadley Richardson, o escritor mudou-se para Paris, onde encontrou ainda mais liberdade para escrever. Ele mesmo deveria definir as pautas de seus artigos, que costumavam tratar da vida de expatriado, de conselhos a futuros turistas ou dos hábitos parisienses. Nesse período, porém, Hemingway tomou decisões que macularam sua credibilidade como jornalista.
Enviado para cobrir a Guerra Greco-Turca em Constantinopla, Hemingway violou seus termos com o Toronto Star e aceitou escrever também para o Hearst International News Service. Foram enviados dois artigos idênticos para os veículos, e o editor do Star descobriu a falcatrua.
Ao cobrir uma conferência de paz na Suíça, o escritor lançou mão do mesmo arranjo, além de enviar artigos clandestinos para a Universal News Services. Teve a cautela, porém, de fazer alterações nos textos para que os veículos não tivessem acesso a cópias idênticas.Pouco versado em política ou economia, o escritor mal se esforçava para compreender os assuntos tratados. Limitava-se a relatos dramáticos de dicussões entre delegações e a descrições de personagens.
O escritor via o jornalismo como um ganha-pão cujas frustações prevaleciam mais que os benefícios. Hemingway queria tempo para se dedicar à ficção. Anos mais tarde, o autor diria em entrevista ao Paris Review que “o jornalismo, depois de um ponto, pode ser uma auto-destruição diária para um escritor criativo sério”.
O primeiro livro de Hemingway, Três Histórias e três poemas, foi publicado em 1923. O último artigo do escritor no Toronto Star saiu em 24 de Janeiro de 1924. De volta a Paris, Hemingway se entrega completamente à escrita criativa.
Lançado neste ano, o Hemingway App avalia textos de acordo com preceitos tradicionalmente associados ao autor: poucos advérbios, frases fáceis de ler, palavras simples, voz ativa. No aplicativo, os escritos do próprio Hemingway alcançam apenas a nota “O.K.”.
Ian Crouch, em artigo para a revista New Yorker, questiona se “Hemingway realmente escrevia como Hemingway”. O jornalista expõe um trecho de “O sol também se levanta” que foge claramente dos princípios citados. Crouch argumenta que a forma contida de Hemingway serve para enfatizar as partes em que ele escapa à concisão.
O estilo de Hemingway tem pontos conflitantes com os princípios do jornalismo moderno. Embora revise e edite seu texto várias vezes, o autor não escreve contos “amarrados”. Criador da “Teoria do Iceberg“, o escritor prefere deixar o verdadeiro sentido escondido da superfície.
Como demonstra Crouch, períodos curtos e concisos frequentemente convivem com frases longas, verbosas, sem pausas. Incorporando determinadas técnicas jornalísticas e descartando outras, o autor desenvolveu o seu estilo. Ainda que posteriormente tenha rejeitado as salas de redação, elas foram o seu laboratório.
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