Por Amanda Venicio
Uma garota de 21 anos entrou no escritório do jornal Brooklyn Eagle e declarou: “Sei desenhar e escrever, e vocês seriam tolos em não me contratar”. Usava um vestido de algodão barato e carregava uma cesta.
Era Djuna Barnes, que futuramente estabeleceria uma carreira sólida, ainda que pouco reconhecida, como escritora.
Os pais de Barnes haviam recentemente se separado, e coube à garota sustentar três de seus irmãos mais novos e a mãe em Nova York. Sem dinheiro, a jovem viu nos jornais locais uma oportunidade de emprego.
Oito anos depois, em 1921, ela se orgulharia de ter escrito por volta de cem artigos, com publicações em todos veículos impressos de Nova York (exceto pelo Times).
Mais tarde, Barnes abandonou o jornalismo para se dedicar à carreira literária na Europa.
A obra mais famosa da escritora é “O bosque da Noite”, publicada em 1936 com prefácio por T.S. Eliot, um dos admiradores do seu talento literário.
Apesar de ter conquistado respeito de artistas como o poeta Dylan Thomas, Barnes não conseguiu muito retorno financeiro com seus livros.
Após viver anos na Europa, ela retornou para Nova York em 1940 e adotou uma vida reclusa. O poeta e.e. cummings, um de seus vizinhos, às vezes passava pela janela de Barnes e gritava: “Djuna, você ainda está viva?”.
Barnes em 1960. Foto tirada pela esposa de e. e. cummings, a poetisa Marion Morehouse.
O biógrafo Noel Riley Fitch a apelidou de “Greta Garbo da literatura americana”, em referência à personagem solipsista interpretada pela atriz no filme Grande Hotel. Barnes viveu os últimos 42 anos de sua vida em um pequeno apartamento em Greenwich Village, entre baratas e pilhas de cartas.
A escritora tinha um estilo bem particular de fazer jornalismo. Veja o que torna suas matérias tão originais:
SUBJETIVIDADE Décadas antes de jornalistas como Gay Talese e Tom Wolfe defenderem o Novo Jornalismo, que valorizava a subjetividade do narrador, Barnes imiscuía seu ponto de vista nas matérias.
Barnes também frequentemente se engajava em jornalismo de imersão, estilo no qual o foco é a experiência do jornalista na situação relatada.
Na época, uma das estratégias para apaziguar as suffragettes, mulheres que lutavam pelo direito de votar, era alimentar à força as manifestantes em greve fome. A jornalista se submeteu à técnica para escrever a matéria “Como é ser alimentada à força” para a New York World Magazine.
Foto que ilustra a reportagem “Como é ser alimentada à força”.
COTIDIANO GROTESCO A jornalista e escritora viveu uma infância insólita: seu pai era polígamo e levou a amante para morar junto com a esposa e os nove filhos. Na adolescência, Barnes foi estuprada, e não se sabe ao certo se o pai consentiu com a violência ou foi o próprio perpetrador do abuso sexual.
Antes de completar dezoito anos, foi forçada pela família a se casar com o irmão da amante do pai, 35 anos mais velho do que a escritora. O casamento durou apenas dois meses.
Seja devido à sua infância ou à influência do Decadentismo, corrente literária francesa, Barnes se interessava pelo grotesco. Os passeios da escritora pela cidade resultavam em matérias como a série “Tipos estranhos encontrados pelo Brooklyn”, ilustrada pela própria Barnes.
Um dos destaques da produção jornalística de Barnes é a entrevista para a Vanity Fair com James Joyce, que posteriormente se tornou um amigo íntimo. A matéria revela a excentricidade e os maneirismos do escritor irlandês, que carregava sempre consigo o livro dos santos e, no primeiro encontro com a jornalista, vestia um colete costurado pela avó “para a primeira caçada da semana”.
Retrato de Joyce por Barnes
O humor mórbido também era outro talento da escritora. Em uma matéria para a revista Vanity Fair, “Como morrer em boa forma: no qual dúzias de mortes graciosas são sugeridas para donzelas destemidas”, ela satiriza a linguagem das revistas de moda ao aconselhar sobre as maneiras de tornar o suicídio mais belo. Loiras combinariam com enforcamentos, enquanto morenas ficariam melhores envenenadas.
ACIDEZ E LIRISMO Com títulos ácidos como “Entrevistar Arthur Voegltin é Como Ter um Pesadelo”, os artigos de Barnes passeavam entre o lírico e o sardônico. Por vezes, Djuna deixava a escritora falar mais alto do que a jornalista, fabricava detalhes e colocava palavras na boca dos entrevistados. Fidelidade aos fatos não era a preocupação de Barnes: ela chamava jornalismo de newspaper fiction, ou “ficção para jornais”.
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