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Foto do escritorFacto Agência

Agora é a vez e a voz delas

Nos últimos anos, o famoso jeitinho brasileiro se tornou destaque nas rodas de conversa. Muitos criticam, outros se orgulham por fazerem parte de um dos países mais felizes do mundo. Mas é na internet que essa discussão ganha mais força, pois ser brasileiro se transformou em sinônimo de brincadeiras e zoeiras. Com uma fama de brincalhão — entre memes e gifs —, o Brasil faz sucesso nas redes sociais ao trazer conotação divertida para diversos assuntos, até os mais sérios. Mas esse debate existe porque as pessoas sentem a necessidade de entender o local de fala em que estão. Uma das grandes dúvidas é sobre a formação da identidade e do desenvolvimento cultural do maior país da América Latina.

Vários movimentos simbolizam a forte cultura que existe em uma nação. Assim como os engajamentos na internet, as danças, as comidas, as festas e a própria língua também expressam a forma como um povo se identifica. A música, como uma forma de arte que combina sons, tons e ritmos, é um forte agente de expressão cultural.

A cultura brasileira possui um acervo grande de músicas que nos mostram ao mundo e, mais que isso, nos faz sentir orgulho do toque dos nossos tambores, das batidas dos nossos violões e dos ritmos das nossas baterias. A Música Popular Brasileira (MPB) surgiu na década de 1960, com uma das gerações da bossa nova, sendo essa uma das grandes manifestações criadas na arte do país. Não apenas o MPB, mas também sertanejo, rock, pop, samba, forró, rap e funk, além dos sons e folclores típicos de cada região, são alguns dos fortes ritmos musicais que embalam as noites deste país tropical.

Mesmo com forte imponência da indústria musical, ainda se tratando do século passado, o Brasil pendia por fortes traços patriarcais na sociedade. Sendo assim, até por volta do século XX, a presença das mulheres na música popular se limitava à função de intérprete. O espaço para trabalhos autorais femininos era fechado. Uma importante exceção foi Chiquinha Gonzaga, uma das primeiras a se tornar uma grande compositora popular.

Mesmo evoluindo lentamente, pouco a pouco elas foram conquistando lugar em cima dos palcos, com grandes nomes em quase todos os ritmos: Dolores Duran, cantora e compositora dos anos 50; Inezita Barroso, na música caipira; no samba, a grande Ivone Lara e a Leci Brandão; no rock, a icônica Rita Lee. A década de 70 se tornou um momento de bastante liberação sexual e feminina, e surgiram nomes como as Frenéticas, que movimentaram as noites nas discotecas.

O universo feminino tem muito mais poder nos dias de hoje, mesmo que o século passado tenha sido só alguns anos atrás. O avanço foi grande, mas ainda existe muita luta pela frente. Se para as mulheres foi — e ainda é — um espaço fechado, imagina para quem é homossexual, bissexual, travesti, transexual e drag queen. O universo musical LGBTs ainda é muito pequeno e carece de atenção.

O público LGBTs sofre com muitos preconceitos diários, e, às vezes, é na música que encontra um momento para se libertar e mostrar quem realmente é. Com a moda de dar voz a todos os gostos e gêneros, a indústria musical não podia ficar para trás: talvez agora seja o momento certo para ela também apostar em novas cantoras que querem espaço dentro desse cenário.

As drag queens são algumas das que querem alcançar essa fatia. Femininas e extravagantes, com performances e shows bem executados, elas trabalham com um mix de delicadeza e veracidade que as conferem dignas de serem vistas por um grandioso público. As transformistas, além das transexuais, ganharam força com o advento da internet, do público jovem aderente ao movimento e de programas como o Ru Paul’s Drag Race, que as coloca para competir pelo título de Rainha das Américas. O sucesso atingido pela Ru Paul, considerada uma das maiores drags americanas, faz com que muitas tenham a mesma vontade de seguir seus sonhos. Dentro desse contexto, surgem diversas artistas que querem mostrar que o microfone também é das transexuais, travestis e de todo mundo.

No ano passado, as festas foram tomadas por um dos hits de maior sucesso de 2015: a música Lean On, de Major Lazer e DJ Snake. Já no início de 2016, as pistas brasileiras foram arrebatadas por uma das paródias de maior sucesso da canção de Major Lazer, a música “Open Bar”, da Pabllo Vittar. A Pabllo, como prefere ser chamada, nasceu no Maranhão e durante a adolescência mudou-se para Uberlândia, onde iniciou a carreira como cantora. Ela ganhou notoriedade quando a música ganhou os ouvidos dos brasileiros, dando início à primeira turnê, intitulada “Open Bar Tour”. Além dessa, outras canções que são versões de hits internacionais fazem sucesso na internet, como “Minaj” versão da música Partition, da cantora Beyoncé, e a faixa “Amante” paródia de Burn, de Ellie Goulding.

Outra drag que está dando o que falar com o sucesso “Trava Trava” é a Lia Clark. Ela lançou a música e não esperava a fama. A faixa já ultrapassou o número de visualizações de outras como “Metralhadora”, da banda Vingadora, e “Baile de Favela”, do MC João, que foram grandes sucessos de 2016. No aplicativo Spotify, o hit ficou em segundo na lista “Brazil Viral”, perdendo apenas para o Zayn Malik, com a música Pillowtalk. Lia Clark, drag criada pelo jovem Rhael, nasceu em Santos e em relato dado ao portal R7, diz que não esperava toda a repercussão. Ela conta que pretende viver integralmente como drag queen, pois Rhael ainda trabalha em uma empresa de importação e exportação. Mas uma coisa é garantida: Lia vai continuar travando o Brasil.

Falando ainda de identidade brasileira, o gênero brega está muito ligado às raízes do país. O brasileiro gosta de um ritmo cafona, de uma balada romântica e, seguindo esse tronco da cultura, surgiu a banda Uó. A banda pop formada em 2010 começou a ganhar destaque com uma versão da música Whip My Hair da cantora americana Willow Smith, chamada “Shake de Amor”. Hoje a banda conta com o álbum Veneno e uma turnê com o mesmo nome. No entanto, o curioso do grupo é que ele foge dos padrões. Ele é composto por Mel Gonçalves (Candy Mel), Davi Sabbag e Mateus Carrilho. Davi e Mateus são homossexuais, enquanto Candy Mel é transexual e a voz feminina do trio. Além do enorme sucesso da banda Uó, ela também tem atingido grandes recordes. Candy se tornou, em dose dupla, a primeira transexual a apresentar um programa brasileiro, além de também ser a primeira a estrelar uma campanha de cosméticos da empresa Avon.

E assim, outros nomes vêm ganhando força no cenário musical brasileiro, como a MC Xuxu, que viu seu hit ganhar espaço nas playlists. A música “Um beijo pras travesti” ficou muito conhecida, e se tornou até bordão entre o público ouvinte. MC Xuxu é funkeira e travesti carioca. Em relato ao site da Revista Forúm, ela diz: “Eu gosto de cantar o que eu vivo, o que eu sou, e também acredito que todo mundo tem um propósito na carreira e o meu é esse: amenizar o preconceito. Eu sinto necessidade de mostrar a verdade de muitos de nós.” Trabalhos recentes mostram a MC preocupada com questões sociais e que questiona o problema LGBTs na sociedade.

A televisão, sem perder a chance de apresentar as novidades ao público, sempre abre um espaço para essas cantoras. Mas o lugar onde elas conseguem o maior destaque e envolvem milhares de ouvintes e fãs é na internet, por meio do Youtube e de plataformas de streaming.

O mundo é feito de mudanças, por isso passamos por diversas fases. Algumas ficam, outras vão. A mudança no cenário musical, que encabeça o público LGBTs como forte alvo, tende a ser duradoura, constante e a tendência é que, mesmo lenta, a presença de transexuais, travestis, drag queens, gays e mulheres seja maior a cada ano. Este é o momento de fazer com que as minorias sejam ouvidas e respeitadas por todos. Seja na música, no teatro, na televisão ou em qualquer meio: agora é a vez e voz delas.

Texto por Carlos Xavier Arte por Daniela Franca

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